Analisamos obras LGBT - The Miseducation of Cameron Post, um livro sobre crescer lésbica nos Estados Unidos da América e ser mandada para um campo de conversão.
(Avisos - spoilers, menção de campos de conversão, menção de suicÃdio)
Cameron beija uma rapariga pela primeira vez e por crueldade do universo os seus pais morrem momentos depois. É assim que começa a história de Cameron Post. Após a tragédia, vai viver com a sua tia conservadora. Cameron esconde a sua sexualidade da tia e vai conhecendo outras raparigas lésbicas que se escondem. Uma destas é Coley, com quem Cameron tem a sua primeira vez. Logo de seguida, Coley admite o que aconteceu à tia de Cameron e culpa-a pela relação que tiveram. Perante isto, a tia de Cameron envia-a para um campo de conversão sexual, no qual ela conhece jovens como ela - homossexuais - que não são aceites pela sua famÃlia. Um dos jovens tenta suicidar-se, o que leva a uma investigação ao campo de conversão, mas apesar dos testemunhos dos jovens, nada é feito. Quando conseguem sair do campo, Cameron e dois amigos, Adam e Jane, vão numa caminhada. Apenas os três e um lago calmo, finalmente têm um momento de aceitação e felicidade.
A autora Emily M. Danforth conta esta história, que apesar de fictÃcia, é dolorosamente realista. Escreve da perspetiva de Cameron, desde os seus 12 anos. Descreve um sentimento que não é estranho a pessoas LGBT, o de o mundo estar contra nós. O começo da história é apenas isso - uma jovem a crescer numa cidade contra aquilo que sente e ela ter de esconder essa parte de si, enquanto, ao mesmo tempo, tenta perceber quem é realmente. Esta primeira parte lê-se como um coming of age, em que seguimos uma personagem à medida que vai crescendo e descobrindo-se, e tem um tom até bastante juvenil. É na segunda parte que a história ganha o seu drama e dor.
Apesar de se passar nos Estados Unidos da América e abordar campos de conversão, a autora consegue que qualquer pessoa, em qualquer canto do mundo, de qualquer sexualidade, sinta pela situação de Cameron e identifique-se com Cameron. A parte do campo é dolorosa e queremos chorar pela jovem. Apesar disto, existem momentos de felicidade com os seus novos amigos Adam e Jane, e por momentos pensamos que juntos, vão conseguir ultrapassar o campo de God's Promise, entre risos e cigarros. Chega a cena em que um dos rapazes no campo tem uma quebra nervosa durante um dos "exercÃcios". Esta cena faz-nos suster a respiração, até aquilo que mais se teme acontecer: o jovem tenta suicÃdio. Isto só adiciona ao trauma dos nossos personagens. Danforth revela o desinteresse do mundo em ouvir a joventude na cena em que, durante a investigação ao campo devido ao suicÃdio, as testemunhas dos jovens são ignoradas, apenas acreditando no dono do campo.
Digo "segunda parte", mas, na verdade, o livro é dividido pela autora em três partes: "Summer 1989", "High School 1991-1992" e "God's Promise 1992-1993". Esta divisão é feita por datas e momentos da vida de Cameron que a colocaram cara a cara com a sua sexualidade. Tem uma certa simbologia. As primeiras duas partes "Verão" e "Secundário" são relativas a fases da vida de jovens em que se começam a aperceber dos seus sentimentos românticos, sendo o verão a estação mais propÃcia para paixonetas com os seus "romances de verão" e o secundário a altura em que muitos de nós se apaixonam pela primeira vez. A terceira parte que é o nome do campo de concentração que se traduz para "Promessa de Deus", em referência a ser um campo cristão e muitas pessoas utilizarem religião para justificar o seu preconceito. Para além disto, esta ser a terceira parte implica que God's Promise roubou a próxima fase na vida de Cameron, roubou a sua juventude.
As relações, românticas ou platónicas, são sempre realistas. A dinâmica entre Cameron, Adam e Jane será familiar a qualquer pessoa com um grupo de amigos. Trazem felicidade e leveza no meio do desastre, e um sentimento de camaradagem que Cameron até aà não sentira completamente. Compreendem-se mutuamente, iguais, mas com diferentes personalidades. Adiciono que o facto que Jane e Cameron, apesar de gostarem ambas de raparigas, não terem nada uma com a outra, foi uma surpresa bem recebida. Muitas vezes livros LGBT caiem no erro de criar uma relação amorosa baseada apenas no facto de ambas as pessoas gostarem do mesmo género. A obra tem uma relação deste género, entre Cameron e outra rapariga, com quem partilha beijos por ambas gostarem de raparigas, mas esta acontece quando Cameron se está a descobrir. Mas Cameron e Jane têm uma amizade pura de entendimento mutuo, e apesar de ambas gostarem de mulheres, nunca se sentem atraÃdas uma à outra.
Depois temos a relação entre Coley e Cameron. Esta relação doÃ. É o clássico "lésbica apaixona-se por amiga hetero" no inÃcio, e no fim, quando Coley rejeita aquilo que fez com Cameron quando a personagem principal admite ter sentimentos por ela, explicando que é apenas uma "brincadeira" e que ela não é "fufa". Nesta cena queremos chorar por Cameron. Mesmo quando pensa que encontrou alguém como ela, alguém que ama, alguém que a compreende, essa pessoa rejeita-a, e pior, arruÃna a sua vida. Mais tarde, Coley é coagida a enviar uma carta a Cameron a culpa-la pelo que aconteceu. Coley não é uma pessoa má, ela gosta de Cameron, mas é um produto do local onde cresceu e deixa-se influenciar por este, e é isso que faz dela uma personagem tão realista e triste.
A caminhada final é a minha cena favorita. Podemos interpretar esta cena como uma caminhada literal e metafórica. Por um lado, é uma caminhada que acontece e que Cameron faz com os seus amigos, na qual se apercebe que não está sozinha e finalmente aceita-se. Por outro, pode simbolizar o resto da vida de Cameron, em que existem altos e baixos, existem momentos de paz e momentos de paz, mas acima de tudo, existe aceitação e amizade.
Não sabemos mais sobre a vida de Cameron. Não sabemos o seu futuro, se continuará a ter de se esconder, se vai passar por mais situações como passou no campo de conversão. Mas sabermos que não está sozinha. Por isso, o livro The Miseducation of Cameron Post tem um final perfeito.
O livro existe apenas em inglês, mas devia receber uma tradução, pois muitas pessoas beneficiavam dele. É uma obra com a qual todos se podem relacionar, LGBT ou não. Todos sentem a realidade de Cameron Post.
Avaliação: 9/10 ☽
Comentários
Enviar um comentário