Analisamos o caso de bruxaria em Braga e todas as suas inconsistências: magia negra, ou medo popular?
Há algumas semanas começou a circular uma notÃcia do JN "Junta em Braga denuncia 'bruxaria' em parque de lazer". Dois tipos de pessoa partilhavam a notÃcia: pessoas que não sabem o que é bruxaria e olhavam para aquela notÃcia com muito medo; e pessoas que sabem o que é bruxaria e acham a notÃcia absolutamente ridÃcula. O jornal O Minho acrescentou, associando o acontecido a "magia negra" e "vudu" e na BragaTV era um "ritual de bruxaria", uma forma de vandalismo. A olhar para o franguinho assado no meio da mesa nas fotografias, apeteceu rir.
Os leitores que sabem o que é a prática de bruxaria conseguem ver que o que estava a acontecer nas fotos está mais para uma espécie de celebração do que para ritual. A análise completa fica difÃcil, pois são apenas três fotos e a informação é pouca, apenas um punhado de testemunhos a assumir o que está a acontecer. Pela falta de informação e fotografias questionáveis, surgem algumas perguntas.
Primeiro, a que propósito é que isto é notÃcia? Aconteceu "vandalismo", deixaram o franguinho e as velinhas lá em cima da mesa, mas isso também acontece com os jovens que fazem festas e deixam 50 garrafas de cerveja vazias para trás. Então que fator temos aqui que aparentemente é de extrema importância para o público? Ora, a nossa amiga bruxaria, claro! Aquela palavrinha que faz os velhos das aldeias tremer tanto que acidentalmente clicam na tecla de partilhar do Facebook. Não há nada como alimentar a conotação negativa de uma palavra.
Para perceberem o quão prejudicial esta notÃcia é, substituam a palavra "bruxaria" com qualquer outra crença (se bem que se fosse "festa de catequese em Braga", não era notÃcia).
Claro, se a mesa foi realmente deixada assim, a pessoa que o fez não tem decência para com os seus vizinhos que também querem usar a mesa, mas apenas isso - longe de ser vandalismo, sendo que é definido como destruição de propriedade. Todas as coisas podiam ser movidas e a mesa ficava em perfeitas condições, logo, vandalismo, não era. Algo que se fica sem perceber, é que indivÃduo ou indivÃduos deixaram lá o "ritual". Se aquilo de facto tinha acontecido várias vezes, ninguém ficou de olho? Nenhum vizinho estava à janela e viu a pessoa por lá o franguinho?
De facto, ao analisar bem a notÃcia, está cheia de inconsistências. Sabemos apenas que alguém se queixou de "bruxaria", que a Junta de Freguesia de Mire de Tibães chamou a GNR por causa disto, e as três fotos, que para quem sabe de bruxaria no verdadeiro sentido da palavra, também são suspeitas.
Assim que olhamos para as fotografias, ocorre a pergunta: se é um ritual, porque estão as velas intactas? A única que parece ter sido acesa é a vela no centro, cujo tipo até é mais utilizado no Cristianismo. As velas amarelas e vermelhas, cores que são até muito associadas ao solstÃcio de verão, estão novas, sem sinal de terem sido acesas. O espaçamento entre elas também é suspeito, sendo que rituais requerem meticulosidade. Associaram a amarrações e Vodun, mas qualquer ritual desse tipo tinha requerido as velas estarem acesas (aliás, a associação foi provavelmente feita para relembrar as pessoas dessas vertentes da bruxaria que são vistas de forma ainda mais negativa devido à ética e moral duvidosa dessas práticas).
Pode ser a celebração de uma divindade ou até mesmo do solstÃcio, mas nada foi consumido. Deixa apenas uma opção: uma oferenda. Oferendas a divindades são comuns de se deixarem de um dia para o outro, por isso o banquete faria sentido ter sido deixado intacto, bem como a bebida, os cigarros e o buquê. Se for de facto uma oferenda, continua ser estranho, pois normalmente são colocadas em altares para a dinvindade em especÃfico. No entanto, oferendas não fazem parte da base da bruxaria, mas sim de bases religiosas, por isso, de qualquer forma, a palavra está mal empregue.
Outra hipótese interessante: a fotografia é montagem. Existem inconsistências demais. As velas acabadinhas de comprar e colocadas numa linha mal feita, os cigarros a sair do maço de forma muito artÃstica como se estivessem a posar para a foto, o frango acabado de fazer (impressionante, não foi lá nenhum cão durante a noite mordiscar), parece tudo colocado na mesa no momento, e não encontrado depois de uma noite de ritual.
O que quer que tenha acontecido, não dá para negar que esta notÃcia não é notÃcia nenhuma. A informação sobre o acontecimento é escassa e apenas de uma perspetiva, as fotografias, suspeitas e as assunções, preconceituosas. Não passa de clickbait que se alimenta do medo popular da bruxaria.
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