A modernidade fez-nos questionar de novo, como questionava Florbela Espanca, o que define um verso. Pesquisando no Instagram ou Twitter por "#poesia", o que encontramos primeiro, não serão os versos de Florbela Espanca, ou de um dos heterónimos de Pessoa. Encontramos uma frase dividida ao meio sobre o hambúrguer que o Zé comeu ontem, ou, com sorte, sobre o elástico que uma mulher deixou no balcão da cozinha antes de partir e deixar o triste do Zé sozinho. Às vezes o Zé é Maria, e escreve sobre a sua vagina e em como os homens são muito maus e feios. Sempre de forma sucinta, sem rima, sem palavras "chiques", sem atenção à métrica, nem quadras, nem nada que aprendemos no secundário quando estudamos poesia.
O que me motivou a escrever este artigo, foi um destes poemas de Instagram que era tão profundo, que me fez questionar a vida. O poema era:
"There is a full-length
head hair
stuck in my
butt crack
I am choosing to ignore it"
- (Look I Bought Plants, Eva Victor e Taylor Garron)
Para os que não sabem inglês, traduzo livremente:
"Está um comprido
cabelo
preso na minha
racha do rabo
Estou a ignora-lo"
Verdadeiramente profunda esta poesia. Isto claro, não é para dizer que a poesia precisa de ter sempre um significado maior, mas, dizer que se tem um cabelo preso no rabo entra num nicho poético tão estranho que nos faz questionar se isto é realmente poesia.
É pertinente dizer que nem todos os "poemas de redes sociais" são deste género. Aliás, maior parte, apesar de serem sucintos e "frases em verso", fazem-nos sentir como faz a poesia clássica. O problema, não é este género de poesia existir, mas sim que, por ser maioritariamente partilhada nas redes sociais, todos a começaram a escrever, independentemente de talento poético. Passou a ser visto como algo que qualquer um consegue devido à sua natureza curta e simples. A verdade: a arte de fazer algo parecer simples, não é nada simples.
A poesia de Instagram nasceu de uma necessidade. Os poetas precisavam de se adaptar à s redes sociais. As redes funcionam com conteúdo curto e facilmente digerÃvel - logo, foi isso que a poesia se tornou. Foi popularizado por Rupi Kaur, poeta canadiana cujos poemas têm como tema principal feminismo e amor-próprio. O seu primeiro livro, "Leite e Mel", foi um sucesso, com imensas fotos dos poemas todos os dias ainda hoje partilhadas no Instagram. Rapidamente, todos fizeram um novo perfil de Instagram para partilhar as suas pequenas frases poéticas - inclusive, autores de livros em prosa juntaram-se à moda, como Pedro Chagas Freitas. Instapoetry, foi como ficou denominada.
Com a ascensão da instapoetry, muitos crÃticos colocaram-se a mesma questão que aqui temos: Isto é poesia? A principal crÃtica era alguém fazer em poucos segundos o que "verdadeiros poetas" demoram anos, até décadas, a estudar e aperfeiçoar, fazendo a arte da poesia parecer algo muito menos erudito. Comparado até com o capitalismo, pois a poesia passou a ser produzida em massa para as massas.
Como crÃtica e poeta, tenho um pequeno poema a partilhar com esses crÃticos. Espero que seja do seu agrado:
Enfiem
esse elitismo malcheiroso
num sÃtio que eu cá sei
- Beatriz Rosa, poeta, escrito entre as 16:30:20h e 16:30:22h
Capitalismo, caros excelentÃssimos, é venderem uma dúzia de estrofes a quinze euros (com sorte) e obrigar os meninos na escola a comprar porque senão vão ser uns idiotas incultos a vida toda.
Instapoetry é o resultado lógico da evolução da sociedade - tanto em termos de tecnologia como geracional. Tal como todas as coisas geracionais, a geração anterior nunca gosta dela. A mesma crÃtica foi feita aos géneros de poesia que hoje fazem parte da nossa cultura, a mesma crÃtica foi feita quando a geração Millenial pôs em voga a poesia Slam (e ainda é criticada), a mesma crÃtica foi feita quando apareceu o rap (que é uma forma de poesia), e a mesma crÃtica foi feita a Bethoven e Camões e todos esses "artistas eruditos". Essa crÃtica não vale nada - é vazia e demonstra egocentrismo e ignorância acerca da sociedade à sua volta.
A poesia ter evoluÃdo desta forma e ser escrita por tantas pessoas, é uma reflexão da cultura ter ganho acessibilidade. Muitos poetas não significa que a poesia ficou pior, mas sim que há um maior consumo de poesia, e consequentemente, mais pessoas a quererem participar nela. Instapoetry é o melhor que aconteceu à poesia, pois tornou-se uma porta de entrada para a escrita poética, uma porta que está sempre aberta. Fez da poesia algo acessÃvel e até gratuito a qualquer um, como deve ser, pois a cultura é um direito. Faz parte de uma cultura global, que todos entendem e que nos liga - e no fim de contas, ligar corações, partilhar sentimentos e perspetivas - é esse o objetivo da poesia.
Vão existir poemas maus, tal como sempre existiram. Existem mais poemas maus, porque também existem mais poemas. Mesmo se os poemas são maus ou não, acaba por ser sempre opinião. Quiçá, alguma alma se emocionou ao ler o poema do cabelo preso na racha do rabo.
Deixem o Zé escrever sobre hambúrguers e raparigas que deixam elásticos, a Maria sobre os homens feios e vaginas, a Rupi sobre amor-próprio, a Florbela sobre os versos. Não importa o tema, existe sempre sentimento. É isso que é a poesia - a arte de sentir. Todos somos poetas.
Tens razão todos podemos ser poetas. É isso que digo aos meus alunos, todos somos capazes de escrever poesia, basta que para isso coloquemos o que sentimos nas palavras.
ResponderEliminarA propósito deixo-te com a primeira e última estrófes de um poema de quem te deixou esse gosto pela escrita.
" Poeta?
quem disse que eu era?
só porque gostava
de voar nas asas
de alguma quimera?
(...)
Poeta,
só porque a quimera
faz parte de mim,
chamaram-me assim,
quem disse que eu era? "
In, "Poemas de amar e pensar um pouco"
Altas drenas de blogue xê!
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