Mulheres sedutoras, homenzinhos que escondem botões, monstros que gritam na noite...todos estes seres são Fadas Ibéricas, normalmente tratados como mito popular. No entanto, há muito mais além de história para estas criaturas, e muitas formas de as incluir na nossa espiritualidade.
Se cresceste em Portugal ou Espanha, provavelmente já ouviste os teus avós contarem histórias de criaturas assustadoras da noite, ou seres pequenos que te ajudam nas tarefas da casa. Principalmente em zonas rurais, partilham-se estas histórias oralmente e utilizam-se ainda estas criaturas para explicação daquilo que tem uma natureza sobrenatural. Cada vez mais vemos mitologias como a celta e irlandesa, que também contém fadas, a ser atualizadas e reescritas para caber num espetro espiritual mais amplo e nos tempos modernos, porque não fazer o mesmo com as fadas portuguesas?
Exploramos então o que são estas criaturas, como as podemos identificar e como as incluir na nossa espiritualidade: seja esta bruxaria, paganismo ou qualquer outra crença. Este será apenas um artigo de muitos, pois iremos falar de cada fada individualmente de forma semelhante a como fizemos com os Deuses Lusitanos.
Não são meninas aladas
"Fada" é um termo que tem ganhou um significado diferente com a pop culture. Quando se falam em fadas, provavelmente o nosso primeiro pensamento é a fada Sininho, ou as Winx, meninas com asas de inseto que voam e têm poderes para proteger o mundo. Esta imagem propagada pelos média não é exatamente errada, pois existem alguns tipos de fadas mitológicas que inspiraram a mesma - se bem que a maior influência foi os "contos-de-fadas", recontos de mitos populares. As Fadas que aqui falamos não são estas meninas aladas que só querem o bem, aliás, podem até ser o completo oposto.
A palavra "Fada" vem do latim "Fatum", que significa destino. Isto é porque, na sua essência, Fadas são criaturas que ou controlam, ou são vitimas do destino. Dizemos criaturas porque uma Fada pode ter qualquer forma, feminina ou masculina, infantil ou animal, ou até algo no meio de todas estas. Qualquer ser que tenha uma essência mágica ou espiritual, uma energia liminal descrita como "mito", é uma Fada. Segundo o livro Fairycraft de Morgan Daimler, uma Sacerdotisa das Fadas, o termo teria sido utilizado pela primeira vez para descrever uma mulher sobrenatural. Isto é algo que também acontece na cultura portuguesa, em que vemos Fada a ser utilizado em lendas para descrever o espírito de uma mulher mística.
Existe discussão por detrás da utilização desta palavra devido à sua conotação moderna das meninas aladas e mulheres em geral, muitas pessoas preferindo utilizar "Seres Mágicos", que é tão valido e mais amplo. No entanto, esta palavra, tal como a francesa "fae" é utilizada há já muitos anos na mitologia popular. Uma forma sob a qual se pode continuar a usar esta palavra sem criar confusão é utilizar a palavra com a primeira letra maiúscula quando queremos referir aos seres mágicos da mitologia de diversas culturas europeias, e minúscula quando estamos a falar das Winx. Isto é uma prática semelhante à no inglês, em que se utiliza o "Faery" ou "Fae" para falar de seres mitológicos e "fairy" para falar das meninas dos contos-de-fadas.
Ibéricas ou Portuguesas?
Fadas sempre foram criaturas do folclore, da mitologia popular. Temos livros como Mitologia Popular Portuguesa e o Bestiário Tradicional Português que falam das criaturas folclóricas em Portugal, mas nesta série de artigos a terminologia "Ibérica" é necessária para não ignorar que o nosso folclore e o folclore espanhol estão intrinsecamente ligados. Temos até criaturas, originalmente espanholas, transportadas para Portugal através da palavra e vice-versa. Tara Sanchez, autora de Urban Faery Magick, dedica todo um capítulo a Duendes e magia moderna com eles na Espanha - uma tradução da lenda para o espiritual que ainda não aconteceu em livros portugueses que é necessária. Tal como as Fadas irlandesas e Fadas inglesas e escocesas têm semelhanças e partilham de mitos devido aos locais serem próximos, assim são as Fadas da Espanha e Portugal.
Apesar de Fadas serem criaturas comuns a toda a Europa, influenciado pela cultura Celta, cada cultura tem a sua perspetiva única sobre estas criaturas míticas. Na Península Ibérica, estas criaturas são abordadas geralmente com receio, algo do qual temos de nos proteger. Aliás, muitas Fadas foram consideradas demónios na transição do paganismo para o cristianismo. Existem, contudo, algumas fadas que podem ajudar mortais se satisfeitas com as suas ações.
Para facilitar, podemos dividir as Fadas Ibéricas em duas grandes secções: Fadas que controlam o destino dos mortais, e Fadas que foram outrora mortais e têm de cumprir o seu destino. Aqui entra a ideia portuguesa de Fadário. Fadário é um destino sobrenatural que cai sobre uma alma que ganhou qualidades de Fada devido às suas ações em vida. Essa pessoa permanecerá uma Fada até cumprir o seu Fadário. Tara Sanchez também sugere dividir Fadas por elemento ou por tipo de lenda em que figuram. Estas divisões são tão importantes como saber sobre cada fada individualmente, para assim desenvolvermos formas mais adequadas de lidar com elas.
@probablysininho Respondendo a @probablysininho Primeiro conteúdo do ano, uma série já muito esperada 🧚✨ Próximo vídeo: As Regras das Fadas #pagantok #mitologiaportuguesa #mitologiaiberica #paganismo #espiritualidade #fadas ♬ Witch Familiar (Classical) [Classic](143628) - dice
As Fadas na espiritualidade
O conceito de Fadas não é nada de novo na espiritualidade. Em sítios como a Irlanda, existem até conceitos como a Faery Faith ou Fé Féerica, descrita por Daimler como a crença religiosa focada nos mitos folclóricos das Fadas celtas e irlandesas. Esta Fé é aberta a todo o mundo, claro. Existe ainda o conceito de Fadas em New Age, que toma uma perspetiva mais positivista destes seres mágicos e tende a separar entre bons/maus e elementos, como vemos na abordagem de Skye Alexander no livro The Modern Witchcraft Guide to Fairies, no qual descreve fadas simpáticas que se fazem visíveis apenas a bruxas e as ajudam por bondade. Isto acontece devido a uma "cristianização" das Fadas, em que são assimiladas a anjos.
A nossa abordagem para incluir as Fadas Ibéricas na nossa prática espiritual vai assemelhar-se muito mais à Faery Faith. A partir das lendas, vamos tentar identificar o número máximo de Fadas, formas como nos podem ajudar ou colocar-nos em perigo, como proceder de forma geral e específica. Baseada na nossa divisão de Fadas que controlam o destino e Fadas que sofrem do destino, podemos dizer que as Fadas com controlo são aquelas para as quais queremos direcionar mais a nossa espiritualidade, pois são as que nos podem ajudar diretamente. Já as Fadas que cumprem um Fadário, devem ser deixadas ao seu destino (ou ajudadas, para os que se sentirem prontos para tomar tal trabalho), se algumas deste tipo também podem ajudar mortais se esse for o seu Fadário - ou também podemos aprender com elas em conversa divinatória.
Segundo Sanchez, a melhor forma de começar a incluir Fadas na nossa prática é manter um Diário de Fadas, no qual se escrevem todas as experiências com Fadas. Também é útil aprender um método de vidência, para conseguir identificar Fadas e tentar criar uma conexão com a natureza local. Fadas, espiritualmente, são criaturas muito apegadas à terra em que habitam. Locais tomados pela natureza tendem a ser sítios de atividade feérica, principalmente se tiverem círculos ou ombreiras feitas com essa natureza. Sanchez faz ainda a sugestão interessante da arte urbana na Península Ibérica ser uma criação humana que apela ao gosto feérico, tomada como portal para o Outro Mundo.
O conceito do Outro Mundo é de igual importância. O Outro Mundo, ou Terra das Fadas, é um mundo liminal ligado ao nosso no qual as Fadas habitam. É por pertencerem a este mundo que as Fadas são também seres liminais e dadas como "invisíveis". Provavelmente já ouviram a expressão "Alma de outro mundo", é essa a ideia - um local em que as Fadas aguardam, descansam ou festejam até virem a este mundo por qualquer razão.
Regras das Fadas
As Fadas que vamos abordar nos artigos seguintes têm cada uma as suas regras específicas, mas existem regras gerais sobre como interagir com fadas, e proteções a ter em conta. Estas regras, segundo Daimler, vêm já da forma como os Celtas interagiam com os seus Seres Mágicos. São as seguintes:
- Boa educação: Nunca se deve falar com uma Fada como se fala com um amigo, ou pior, como se fala com um inimigo - por muito medo que se tenha da Fada. Deve-se sempre abordar uma Fada com respeito, seja ao cumprimentar ou ao expulsar de um local;
- Claridade: Eufemismos, metáforas e outros recursos estilísticos que podem ter vários sentido devem ser evitados. Fadas tendem a levar as coisas que dizemos literalmente para nos colocar num contrato sem a nossa permissão;
- Nomes: É de evitar dizer a uma Fada o nosso nome, e sim preferir uma alcunha ou nome falso*. Esta é a regra mais conhecida, pois se uma Fada sabe o nosso nome, tem poder sobre nós - e vice-versa. Pedir o nome a uma Fada é ofensivo para elas, mas perguntar se se pode atribuir um nome, ou se existe algum nome que a Fada prefira que utilizemos, pode marcar uma relação de ajuda mutua com essa Fada. Também existe a ideia de Fadas desgostarem ser chamadas de Fadas, então termos educados e de lisonjeio como Boa Gente devem ser utilizados quando se quer chamar pela sua energia;
- Obrigado: Nunca, em nenhuma circunstancia, se deve agradecer a uma Fada por algo dado ou feito por ela. Fadas não fazem favores - se recebemos algo, algo temos de dar. Ao agradecer, estamos a dar a entender que a Fada nos fez um favor, e ficaremos em dívida para com ela - e se o que damos de volta não for explicito, a Fada poderá aproveitar-se disso e tomar o que quiser. O melhor a fazer é de mostrar o nosso gosto elogiando o feito ou fazendo algo em troca imediatamente;
- Prendas: A não ser que se esteja em contrato com uma Fada que implique ofertas em troca de ajuda espiritual, não se deve aceitar a prenda de uma Fada. Se virmos algo deixado para nós por uma Fada, devemos retribuir com um objeto do mesmo valor - a não ser que seja comida, aí, o melhor é a rejeição bem-educada, pois comer comida preparada por Fadas faz com que a nossa alma fique para sempre do Outro Mundo (e ninguém quer ter de cumprir um Fadário após morto);
- Proteções: Algumas proteções gerais contra Fadas são a pedra de bruxa, erva-doce, objetos de ferro e ferraduras. Também podemos construir um amuleto pessoal com essa função;
- Contratos: Se queremos incluir uma Fada especifica na nossa prática, um contrato com a mesma deve ser feito. Os contratos podem ser escritos ou ditos. Deve-se chamar a Fada que identificámos previamente, dizer a ajuda que se quer dela, e o que se dá em troca. Através de métodos de divinação, obtemos a resposta da Fada, ou para os mais intuitivos, através de mudanças de energia. Mesmo quando temos um Contrato com uma Fada, devemos continuar a seguir as regras anteriores, e nunca achar que a Fada é nossa amiga. É uma relação de negócio, nada mais.
O mais importante quando se começa a nossa jornada com Fadas, é ter bom senso. Parar e pensar antes de interagir, responder, proteger. Todos estes cuidados podem fazer parecer que trabalho com Fadas é algo muito perigoso, mas é tal como qualquer outro trabalho espiritual - e como tudo, tem apenas as suas regras e precauções. Trabalho com Fadas pode ser ótimo para criar conexões com o espaço à nossa volta e aprender a detetar energias diferentes, bem como ter uma ajuda para melhorar a nossa prática. Um desafio: passeia pela tua rua, e tenta perceber se existem potenciais portais de Fadas, utiliza um pêndulo ou tarot se necessário. Se identificares um, já sabes onde começar para interagir com a Boa Gente.
*um pouco de Queer Magick: Já recebi algumas vezes a pergunta se o "deadname" de uma pessoa trans ou o nome escolhido é o nome que uma Fada escolheria como tendo poder sobre nós. A meu ver e experiencia, uma Fada quando nos quer enganar tomando o nosso nome, quer tomar a essência de quem somos, a nossa identidade. Logo, o que faz mais sentido é valorizar o nome escolhido. Isto quer dizer que sim, teoricamente podíamos dar um "deadname" sem efeito, mas inventar um nome espiritual continua a ser a melhor opção.
@probablysininho Respondendo a @probablysininho É muito para explicar num minuto, por isso não se esqueçam de completar o conhecimento que ganham com os vídeos com o artigo no blogue ✨🧚 #pagantok #mitologiaportuguesa #mitologiaiberica #paganismo #fadas ♬ Witch Familiar (Classical) [Classic](143628) - dice
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