Uma criatura da Beira de Portugal, o Lobisomem não é apenas o homem-lobo que aparenta ser.
Todos sabemos o que é um Lobisomem. Não faltam estes homens que se tornam em lobo em todas as histórias de terror e fantasia. O seu mito na pop culture é simples - todas as luas cheias, o homem está amaldiçoado a ser um lobo que saí à noite para matar.
No entanto, esta figura do homem-lobo é já antiga. Todas as mitologias europeias têm um, e a mitologia ibérica não é diferente. Cada Lobisomem de cada cultura tem os seus detalhes, seja no seu aspeto, no que o torna um Lobisomem, nas ações que toma, e como curar esta criatura.
Mais homem ou mais lobo?
A figura do Lobisomem existia já na mitologia grega, na qual se um homem consumisse carne humana, seria transformado num lobo por Zeus. Na mitologia ibérica, semelhante acontece - a forma de lobo é sempre um castigo por uma ação de maldade. O aspeto desta forma muda de pessoa em pessoa. Por vezes a pessoa torna-se completamente num lobo, outras têm apenas a cabeça de lobo e corpo humano (ou o oposto, cabeça de humano e corpo de lobo), em outras a pessoa é um lobo com a exceção das mãos, que ficam humanas, ou um humano com pele de lobo. Há até versões em que o Lobisomem, apesar de manter a sua designação, é transformado noutro animal por completo. Dentro da divisão proposta no artigo sobre Fadas no geral, podemos inserir o Lobisomem nas Fadas que cumprem um fadário.
É deixado ao mistério quem exatamente amaldiçoa o homem a tornar-se um Lobisomem - pode ser por intervenção divina, praga ou intervenção feérica. Grande parte das lendas menciona apenas o porquê do fadário, e não quem o atribui. Nas versões das lendas influenciadas pelo cristianismo, este destino é dado por Jesus. O que difere o Lobisomem das outras Fadas que cumprem um fadário é que este ocorre em vida e pode ser eliminado por meios exteriores que permitam a pessoa que sofreu o fadário regressar à sua vida em sociedade. A morte de um Lobisomem gera uma Fada diferente, o Corrilário, do qual falaremos no futuro.
Justiça Divina
O fadário do Lobisomem está ligado às suas ações e forma como decide viver a sua vida. Existem algumas razões mais cristãs para um homem se tornar lobisomem, como não ser batizado, ou alguém não dizer as orações no seu batismo. No entanto, grande parte das razões populares abordam ações que sejam de má-educação ou maldade. Algumas destas são:
- Ter a casa sempre desarrumada;
- Comer de forma nojenta (com a boca aberta, com as mãos...);
- Roubar gado do vizinho;
- Partir mobília ou casa de outrem;
- Iniciar lutas desnecessárias;
- Agredir a mulher ou família;
- Trair a mulher (em algumas versões o fadário só ocorre se a pessoa com que se trair a mulher tiver alguma relação familiar à mulher);
- Ser egoísta com a comida;
Basicamente, uma pessoa torna-se num Lobisomem se agir como um animal. Após o homem ser fadado Lobisomem, a sua forma de lobo é apenas um dos seus castigos. Aliás, este é um dos seres mágicos que mais tem de fazer para cumprir o seu fadário. O Lobisomem toma o seu fadário sempre na mesma noite, sob condições semelhantes (noites em que não haja luz, noites de nevoeiro, noites de lua nova, etc.) até o cumprir. Quando se torna Lobisomem, tem um instinto de se livrar da sua roupa de deixá-la para trás. Depois de o fazer, o seu único pensamento é correr. O número de voltas que o Lobisomem terá de correr pela aldeia varia, mas o que torna esta corrida difícil são os instintos de lobisomem que o fazem espojar-se no chão, ir atrás de ovelhas, vacas e pássaros, morder objetos - ações típicas de um lobo selvagem. Há ainda lendas em que estes ficam completamente parados se uma luz estiver no seu caminho. É pertinente mencionar que em lendas portuguesas os Lobisomens nunca atacam uma pessoa, sendo seres mágicos que causam caos, não morte.
Como podem os lobisomens voltar a ser humanos? Cumprir o seu fadário é uma das formas, mas a aldeia também se pode reunir para "ajudar" o Lobisomem a voltar a ser humano. Colocamos "ajudar" entre aspas, pois as ações de a comunidade tem de tomar para fazer o Lobisomem voltar a ser humano não são exatamente ações bondosas. Uma bastante comum é alguém que ame o Lobisomem queimar a sua roupa. Esta ação pode ter duas interpretações: as pessoas da família do Lobisomem rejeitarem a sua humanidade de todo, queimando a única coisa que permitirá o Lobisomem passar por homem; ou o Lobisomem ter de melhorar como pessoa e assim fazer com que alguém se apaixone por ele, essa pessoa queimando um símbolo do passado sombrio do Lobisomem. Outra forma de fazer que um lobisomem volte a ser humano, é que a aldeia mostre a sua raiva pelo ser mágico ao mesmo tempo, todas as pessoas agredindo esta Fada até que aprenda a sua lição.
Magia com Lobisomens
Sendo que os Lobisomens são seres mágicos que ganham propriedades mágicas em vida, trabalho espiritual com os mesmos é difícil, visto que, tecnicamente, não são espíritos. Na mitologia ibérica existe o conceito da Peeira de Lobos (sobre a qual falaremos noutro artigo) que é uma bruxa que trabalha com e acolhe Lobisomens. Pode-se fazer um trabalho semelhante, de tomar a responsabilidade de ajudar Lobisomens a correr o seu fadário, ou ir na direção oposta e tentar controlar o mesmo para benefício próprio.
Falar sobre os elementos associados a esta Fada é um desafio, devido à sua natureza. Podemos considerar que esta será ligada ao elemento Terra, mas o Fogo também é uma sugestão, sendo que este está envolvido na sua cura.
Já ao falarmos de paganismo, surge a pergunta que Deus lusitano pode ser o castigador que dá o fadário ao Lobisomem. A resposta óbvia seria Ataegina, que sabemos ser castigadora, mas sendo que o seu domínio são os mortos, deixa a dúvida se castigaria um vivo. Proponho então outro Deus: Quangeio. Não só faz sentido com a sua localização, pois também o encontramos na Beira, como por ser um Deus dos cães e da cura. Sendo que este Deus podia ter alguma relação à saúde e à lealdade, bem como aos animais em geral, não será uma ideia estranha este dar o castigo aos homens cruéis de serem Lobisomens até aprenderem a ser bons. Esta ideia é apoiada pelo facto que muitos praticantes modernos vêm este Deus como a forma de um cão ou homem-cão. Outra proposta seria Vaélico (que será Endovélico com outro domínio), cujo nome aponta para lobos.
Se quisermos trabalhar com este ser mágico simbolicamente, podemos sempre fazer o exercício de nos questionar se nos estamos a comportar como um Lobisomem, ou se pessoas que nos magoaram o merecem ser - refletir não só sobre a nossa maldade interior, como aquela que já sofremos. Algo que não nos devemos esquecer é que o fadário de um Lobisomem é um castigo, e deve ser tratado como tal. Por isso, deixo como sugestão mágica uma praga para colocar este castigo em alguém que esteja a tomar as ações de um Lobisomem, pois a justiça divina também pode vir das nossas mãos:
- Arranja uma vela negra, manjericão, tecido castanho, papel, corda, algo que simbolize a pessoa e algo que simbolize o animal como esta pessoa está a agir;
- Acende a vela. No tecido, coloca o manjericão, e os símbolos;
- Escreve num papel "Assim agiste, assim o és. Danado sejas a tomar forma de bicho até que aprendas a ser humano. Esse é teu fadário." e diz em voz alta as vezes que achares necessárias - cada vez será uma volta que o Lobisomem tem de fazer para cumprir o seu fadário;
- Dobra o papel e coloca-o no tecido. Dobra o tecido com as coisas lá dentro e ata com a corda;
- Deixa a vela arder até ao fim. Medita sobre as razões pela qual estás a rogar esta praga;
- Enterra o tecido atado no quintal da pessoa ou num local próximo da sua casa.
Podes ainda rogar a praga apenas com palavras, mas os elementos físicos aumentam a sua eficácia. Esta magia afetará a forma como a pessoa é vista pelos outros, bem como a sua habilidade de pensar claramente. Pragas como estas são ideais quando alguém fez algo que merece justiça, mas esta não é dada judicialmente. Nunca faças uma praga de atitude leve, e tem sempre proteções quando fizeres uma.
@rosasininho Este vídeo: Lobisomem | Próximo: Trasgos #fadasibéricas #tiktokportugal #pagantok #mitologiaportuguesa ♬ Witch Familiar (Classical) [Classic](143628) - dice
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